STJ: ordens de guardas municipais não cumpridas podem dar ensejo ao crime de resistência
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que resta claro que os guardas municipais, no exercício de suas atribuições legais e no limite delas, podem dar ordens que, se não cumpridas, podem dar ensejo ao crime de resistência por parte do agente que as descumpriu.
A decisão teve como relator o ministro Ribeiro Dantas:
Ementa
HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE RESISTÊNCIA. ORDEM EFETIVADA POR GUARDAS MUNICIPAIS NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES. HIPÓTESE DE CONFIGURAÇÃO DO DELITO. ATIPICIDADE AFASTADA. FLAGRANTE DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE NA ABORDAGEM. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. INVERSÃO DA CONCLUSÃO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. INVIABILIDADE. CONDENAÇÕES ANTERIORES COM TRÂNSITO EM JULGADO. VALORAÇÃO COMO MAUS ANTECEDENTES E REINCIDÊNCIA. POSSIBILIDADE. VEDADO O BIS IN IDEM. RÉU MULTIRREINCIDENTE. COMPENSAÇÃO PARCIAL ENTRE A ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA E A AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. PENA INFERIOR A 4 ANOS. RÉU REINCIDENTE. REGIME INICIAL SEMIABERTO. PROPORCIONALIDADE. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. Esta Corte – HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 – e o Supremo Tribunal Federal – AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. O Código Penal, em seu art. 329, define como crime de resistência a conduta de: “Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio”. Do teor do dispositivo, depreende-se que a conduta prevista como crime se consuma quando o funcionário competente, ou quem lhe esteja prestando auxílio, efetua uma ordem legal e o agente opõe-se à execução do ato. 3. O artigo usa o termo “funcionário competente ou quem esteja lhe prestando auxílio”. Assim, na hipótese, resta saber se os guardas municipais que deram a ordem de parada ao paciente se enquadram no termo em questão, ou seja, se eram funcionários competentes para determinar o ato ou se estavam prestando auxílio aos que o eram. 4. Sobre o tema, inegável reconhecer a legalidade do exercício do policiamento preventivo pela Guarda Municipal, seja com competência própria (prevista em decretos ou leis municipais), seja em auxílio à Polícia Militar. Portanto resta claro que os guardas municipais, no exercício de suas atribuições legais e no limite delas, podem dar ordens que, se não cumpridas, podem dar ensejo ao crime de resistência por parte do agente que as descumpriu. 5. A outra elementar do tipo penal de resistência a ser analisada no caso é a legalidade do ato a que se opõe o agente. No caso, as instâncias ordinárias reconheceram a legalidade da ordem de parada feita ao paciente, consignando que os guardas municipais “durante patrulhamento de rotina, visualizaram o réu e um outro indivíduo na posse do que lhes pareceu ser uma arma de fogo e uma sacola com objeto branco, fato que deu ensejo ao sinal de parada, evidentemente, com intuito de colaborar com a proteção da população local” (e-STJ, fl. 51). 6. Desta feita, constatada a legalidade do exercício do policiamento preventivo pelos guardas municipais e a legalidade da ordem de parada, não se visualiza, no caso, flagrante ilegalidade na condenação do paciente pelo crime de resistência, tendo em vista que se negou efetuar a parada. Outrossim, não se observa ilegalidade na condenação pelo crime de embriaguez ao volante, esta constatada, em flagrante delito, durante a abordagem feita pelos guardas municipais após o cometimento do crime de resistência. 7. A jurisprudência desta Corte admite a utilização de condenações anteriores transitadas em julgado como fundamento para a fixação da pena-base acima do mínimo legal, diante da valoração negativa dos maus antecedentes, bem como para configurar a agravante da reincidência, na segunda fase, ficando apenas vedado o bis in idem. Assim, considerando a existência de múltiplas condenações transitadas em julgado, pode uma, desde que não sopesada na segunda etapa do procedimento dosimétrico, ser valorada como maus antecedentes. 8. No caso em testilha, sendo o réu multirreincidente, deve ser reconhecida a preponderância da agravante prevista no art. 61, I, do Código Penal, sendo admissível a sua compensação proporcional com a atenuante da confissão espontânea, em estrito atendimento aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade. 9. Na hipótese dos autos, em que pese terem sido considerados quatro títulos condenatórios para fins de reincidência, um deles foi compensado com a atenuante da confissão espontânea referente ao delito de embriaguez ao volante. Logo, subsistindo três condenações, mostra proporcional o aumento da pena em 1/4. 10. Quanto ao regime prisional, não obstante tenha sido imposta reprimenda inferior a 4 anos de reclusão, tratando-se de réu reincidente, não há que se falar em fixação do regime prisional aberto, por não restarem preenchidos os requisitos do art. 33, § 2º, “c”, do Estatuto Repressor. 11. Writ não conhecido. (HC 712.710/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 15/02/2022, DJe 21/02/2022)
Fonte: canal ciências criminais