Força-tarefa da Lava Jato no Paraná encaminha à procuradora-geral Raquel Dodge informações para eventual ‘arguição de suspeição’ do ministro do Supremo em julgamentos relacionados ao ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza; investigadores resgataram ligações e mensagens de celular do ex-senador tucano, alvo da Operação Ad Infinitum, fase 603
- Fabio Serapião, Luiz Vassallo, Julia Affonso e Ricardo Brandt
Reprodução de trecho do documento da força-tarefa
A força-tarefa da Operação Lava Jato no Paraná encaminhou à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, informações para eventual ‘arguição de suspeição’ do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes em julgamentos relacionados ao suposto operador do PSDB Paulo Vieira de Souza. De acordo com procuradores, ligações telefônicas e mensagens demonstram que ‘Aloysio Nunes (ex-senador e ex-ministro das Relações Exteriores do governo Temer) buscou interferir em julgamento de habeas corpus em favor de Paulo Vieira de Souza, em contato direto e pessoal com o Ministro Gilmar Mendes’.
Documento
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Paulo Vieira e Aloysio foram alvo da Operação Ad Infinitum, Lava Jato 60, deflagrada no dia 19. Nesta etapa, a força-tarefa mirou contas na Suíça atribuídas a Vieira de Souza que chegaram à cifra de R$ 130 milhões. Um cartão de crédito teria sido emitido em benefício de Aloysio Nunes. As investigações miram a suposta operação de Paulo Vieira para agentes políticos e em pagamentos da Odebrecht a ex-diretores da Petrobrás.
Foto: Andre Dusek/Estadão
Segundo a força-tarefa, ’em fevereiro de 2019, Aloysio Nunes atuou, em interesse próprio e do também investigado Paulo Vieira de Souza , junto ao ministro Gilmar Mendes, valendo-se de relação pessoal com este, para produção de efeitos protelatórios em processo criminal em trâmite na 5ª Vara da Justiça Federal de São Paulo’.
Trata-se de habeas corpus em que o ministro chegou a conceder liminar para que fossem interrogadas testemunhas e analisados documentos em ação contra Paulo Vieira que já estava em fase de alegações finais.
Após recurso da PGR, Gilmar acabou reconsiderando a decisão e mantendo a etapa final do processo, que apura supostos desvios de R$ 7,7 milhões na Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A.), empresa paulista responsável por empreendimentos bilionários de governos do PSDB, como o Rodoanel.
Paulo Vieira de Souza. Foto: Robson Fernandjes/Estadão
A ação penal tramita na Justiça Federal de São Paulo. A Lava Jato chegou a alertar para a possibilidade de prescrição dos crimes atribuídos a Paulo Vieira caso o processo fosse esticado.
“Considerando a iminência de decisão na Reclamação nº 33514, distribuída ao ministro Gilmar Mendes, trazemos com urgência todos os fatos acima descritos, certos de que Vossa Excelência adotará as medidas cabíveis com a velocidade e presteza costumeiras, de forma a evitar que o interesse público subjacente às investigações possa ser prejudicado e que uma mácula de desconfiança paire sobre decisões proferidas por E. Ministro da Suprema Corte”, diz a força-tarefa.
A Reclamação 33514 é um recurso da defesa de Paulo Vieira que foi distribuído a Gilmar. Neste apelo, o advogado José Roberto Santoro, que defende o ex-diretor da Dersa, pede para que as investigações que levaram à prisão de Paulo Vieira sejam remetidas à Justiça Eleitoral de São Paulo por suposta conexão com inquérito que mira propinas em contratos da Dersa para abastecer campanhas do PSDB. A juíza federal Gabriela Hardt manifestou contra o pedido.
Aloysio Nunes. Foto: Dida Sampaio/ESTADÃO
A força-tarefa elenca as ligações entre Aloysio e o gabinete de Gilmar Mendes em suposto benefício de Paulo Vieira.
As mensagens do ex-senador foram resgatadas pelos investigadores de seu próprio celular, apreendido no dia 19 de fevereiro, na Operação Ad Infinitum, fase 60 da Lava Jato que prendeu Paulo Vieira.
“Em 08/02/2019, sexta-feira, Paulo Vieira de Souza, protocolou, por meio de seu advogado Jose Roberto Figueiredo Santoro, HABEAS CORPUS nº 167727 perante o E. Supremo Tribunal Federal, distribuído no mesmo dia por prevenção ao Ministro Gilmar Mendes”.
“Às 18:23h do dia 10/02/2019, por meio de aplicativo de mensagem, o advogado José Roberto Figueiredo Santoro perguntou a Aloysio Nunes Ferreira Filho: “Caríssimo você falou com nosso amigo.?””
“Na sequência, especialmente no dia 11/02/2019, segunda-feira, primeiro dia útil após o protocolo do habeas corpus, diversos fatos, dados o contexto narrado e os personagens envolvidos, aconteceram em íntima conexão ao processo distribuído no Supremo Tribunal Federal”.
“Às 16:50h, o telefone (61) 3217-4187 do gabinete do Ministro Gilmar Mendes fez contato, por 1 minuto e 8 segundos, com Aloysio Nunes Ferreira Filho”
“Às 17:32h, por telefone, Aloysio Nunes Ferreira Filho falou com o ex-Ministro da Justiça, RAUL JUNGMANN, durante 45 segundos”
“Às 17:48h, o telefone (61) 3217-4187 do gabinete do Ministro Gilmar Mendes tentou realizar contato com Aloysio Nunes”.
“Às 18:33h, por telefone, Aloysio Nunes tentou falar com o ex-Ministro da Justiça, Raul Jungmann”
“Às 18:39h, por telefone, Aloysio Nunes conseguiu falar com o ex- Ministro da Justiça, Aloysio Nunes, durante 1 minuto e 52 segundos”
“Às 18:42h, por aplicativo de mensagens, Aloysio Nunes recebeu do ex-Ministro da Justiça, Raul Jungmann o número do celular aparentemente atribuído ao Ministro Gilmar Mendes”
“Às 19:10h, por aplicativo de mensagens, o ex-Ministro da Justiça, Raul Jungmann perguntou a Aloysio Nunes se ele havia falado com o Ministro Gilmar Mendes: “Falou?!”
“Entre 19:11h e 19:13h, por telefone, Aloysio Nunes tentou realizar contato com telefones aparentemente atribuídos ao Ministro Gilmar Mendes, inclusive aquele que foi transmitido a Aloysio Nunes por Raul Jungmann imediatamente antes”
“Às 19:13h, por telefone, Aloysio Nunes falou com o ex-Ministro da Justiça, Raul Jungmann, durante 1 minuto e 30 segundos”
“Às 19:18h, por aplicativo de mensagens, o ex-Ministro da Justiça, Raul Jungmann enviou a Aloysio Nunes um novo número de contato aparentemente atribuído ao Ministro Gilmar Mendes, com o texto: “Tente esse outro””:
“Entre 19:26h e 19:29h, o telefone (61) 3217-4187 do gabinete do Ministro GILMAR MENDES tentou realizar contato com Aloysio Nunes”:
“Às 19:29h, por telefone, Aloysio Nunes foi contatado pelo telefone (61) 3217-4187 do gabinete do Ministro Gilmar Mendes, e manteve conversa por 52 segundos”
“Entre 19:31h e 19:34h, por telefone, Aloysio Nunes tentou falar com o ex-Ministro da Justiça, Raul Jungmann”
Às 19:34h, por aplicativo de mensagens, Aloysio Nunes informou ao ex-Ministro da Justiça, Raul Jungmann que falou com o Ministro Gilmar Mendes: “Falei””.
“Às 19:51h, o ex-Ministro da Justiça, Raul Jungmann perguntou: “E?!?!””.
“Às 21:19h, Aloysio Nunes respondeu: “Vago,cauteloso,como não poderia ser diferente”
“Em paralelo, às 19:34h e 19:35h, por aplicativo de mensagens, Aloynio Nunes informou ao seu advogado José Roberto Santoro que falou com “o amigo”” Ministro Gilmar Mendes: “Falei. Resposta vaga:sim,já estou sabendo…”, e “Compreensível dadas as circunstâncias””.
“Em resposta, às 20:02h, José Roberto Santoro escreveu a Aloysio Nunes: “Vc é um anjo””.
“No dia 13/02/2019, às 22:28h, por aplicativo de mensagens, José Roberto Figueiredo Santoro informou a Aloysio Nunes que o Ministro Gilmar Mendes deferiu o HABEAS CORPUS nº 167727, em que figurava como interessado Paulo Vieira de Souza, afilhado político de Aloysio Nunes”
“No dia 14/02/2019, quando a notícia sobre o HABEAS CORPUS chegou à grande imprensa, às 16:51h, Aloysio Nunes escreveu ao ex-Ministro da Justiça, Raul Jungmann”: “Nosso causídico é foda!”.
“Em resposta, às 21:36h, o ex-Ministro da Justiça, Raul Jungmann escreveu: “Sr de escravos..”.
COM A PALAVRA, GILMAR
O ministro do Supremo não se manifestou sobre o documento do Ministério Público Federal.
COM A PALAVRA, ALOYSIO
O ex-ministro Aloysio Nunes Ferreira informou que não vai se manifestar até se inteirar dos fatos.
COM A PALAVRA, RAUL JUNGMANN
O ex-ministro e ex-senador, meu colega de Congresso, Aloysio me pediu se eu tinha um numero de celular que o ministro Gilmar Mendes atendesse, pois ele não estava conseguindo. Eu informei-lhe o que dispunha. Em seguida indaguei se tlnha conseguido falar. Ao que ele assentiu. “E?!”, perguntei, ele respondeu. Eu fiz uma frase de irônica e é isso.
COM A PALAVRA, JUNGMANN E A DEFESA DE PAULO VIEIRA
A reportagem está tentando contato com o ex-ministro da Segurança Pública Raul Jungmann e com o escritório José Roberto Santoro, que defende o ex-diretor da Dersa. O espaço está aberto para manifestações.
COM A PALAVRA, PSDB
Quando Paulo Vieira de Souza foi preso no dia 19 de fevereiro, o PSDB declarou:
“O PSDB de São Paulo esclarece que não é parte no processo em questão e não mantém qualquer tipo de vinculo com o sr. Paulo Vieira, jamais recebeu qualquer contrapartida de empresas nem autorizou terceiros a fazê-lo em seu nome. Os recursos recebidos pelo partido, em período eleitoral ou não, foram doados de maneira absolutamente legal e declarados à Justiça Eleitoral, respeitando a legislação vigente.”
“A Executiva Nacional do PSDB não foi informada sobre os detalhes do caso, mas reitera seu apoio e confiança na justiça brasileira, em vista dos esclarecimentos prestados pelo ex-senador Aloysio Nunes”.