Para quem olha de longe, a favela pode parecer um espaço de pobreza, vulnerabilidades e violência. Este entendimento, no entanto, desconsidera a favela como organização socioespacial singular e diversificada. Para além de bairro, comunidade ou cidade, a favela é “multipliCidade”, um espaço impactado pelas ações colaborativas e pelo caráter dinâmico.
A descrição é apresentada por Nayara Silva de Noronha, junto com os pesquisadores da FGV EAESP André Luis Silva e Edgard Barki em estudo publicado na revista Cities. Por meio da observação participante e de entrevistas com moradores, realizadas entre os anos de 2014 e 2016, os autores investigaram o cotidiano de Heliópolis, a maior favela de São Paulo, com 200 mil habitantes em um milhão de metros quadrados.
Os autores identificam questões de moradia contraditórias em Heliópolis. Enquanto o poder público é lento em dar respostas às demandas por habitação digna, os moradores buscam realizar o direito à cidade através da autoconstrução das casas. O estudo também aponta que a reprodução de práticas como a especulação imobiliária coexistem com a luta social pela moradia.
A complexidade do espaço social também é vista na estética urbana, marcada pela coexistência dos barracos de madeira com as casas coloridas e a arte de rua. O graffiti, aliás, é uma manifestação cultural vista em todos os cantos de Heliópolis e remete à presença da arte como forma de protesto e de expressão de ideias na favela.
A descontinuidade dos projetos do poder público a cada nova gestão municipal também ganha destaque na análise dos pesquisadores como elemento definidor do cotidiano em Heliópolis. Da mesma forma, o acirramento da crise política a partir de 2015 e, por consequência, o aumento do desemprego e a diminuição do poder de consumo evidenciam a importância de políticas de planejamento urbano que considerem as particularidades da organização socioespacial da favela.