Em uma palestra divulgada pela Internet, o historiador Roberto de Mattei lembrou que o contágio, além de físico, pode ser um fenômeno psicológico, e recordou a figura de Gustave Le Bon, autor do livro A Psicologia das massas: “A moderna teoria do contágio social, inspirada em Le Bon, explica como, protegido no anonimato da massa, até o indivíduo mais pacífico pode se tornar agressivo, agindo por imitação ou sugestão. O pânico é um daqueles sentimentos transmitidos por contágio social, como aconteceu durante a Revolução Francesa no período chamado de ‘Grand Peur’ – grande medo”.66
Quem parece ter compreendido muito bem o uso do pânico como arma para promover uma agenda política – como a de lançar as bases para uma governança mundial – foi Jacques Attali, conselheiro de todos os presidentes franceses de esquerda e de direita, de Mitterrand a Macron. Em artigo no semanário L’Express de 3 de maio de 2009, logo após os primeiros alarmes provocados pelo vírus H1N1, ele escreveu: “A História nos ensina que a humanidade não evolui significativamente senão quando ela tem verdadeiramente medo: ela implanta mecanismos de defesa; por vezes intoleráveis (bodes expiatórios e totalitarismos); por vezes úteis (distrações); por vezes eficazes (terapias, pondo de lado, se necessário, todos os princípios morais anteriores). Depois, após passar a crise, ela transforma esses mecanismos para torná-los compatíveis com a liberdade individual e inseri-los numa política sanitária democrática. A pandemia que começa poderia impulsionar um daqueles medos estruturantes”.
O “guru” do palácio do Elysée imaginava vários cenários para a epidemia, e acrescentava que todos eles poderiam servir, melhor do que qualquer “discurso humanitário ou ecológico”, para “a conscientização da necessidade de um altruísmo, pelo menos interesseiro”. E que, em qualquer hipótese, seria preciso “implantar uma polícia mundial, estoques mundiais, e portanto uma fiscalização mundial. Chegar-se-ia assim, muito mais rápido do que a mera conveniência econômica permitiria, a deitar as bases de um verdadeiro governo mundial”. E concluía: “Foi pelo hospital, aliás, que na França do século XVII começou a implantação de um verdadeiro Estado”.67
Não há no momento dados para afirmar peremptoriamente que esse seja o plano que está sendo posto em execução. Mas uma coisa é certa: vários fatores contribuíram para semear o pânico; e de modo voluntário ou involuntário, as organizações internacionais e nacionais incumbidas da saúde pública se prestaram para a sua amplificação.
Como explicou o Dr. Iahn Gonsenhauser, responsável pela segurança dos pacientes no Centro Médico Wexner da Universidade Estadual de Ohio, “nós espalhamos pelo mundo a palavra ‘pandemia’ – isso terrifica as pessoas”, porque traz à imaginação a peste bubônica ou o Ebola, “achando que não tem nenhuma cura, e que é mortal”, mesmo que a palavra pandemia “não indique necessariamente a mesma virulência ou letalidade”. Porém “as pessoas acham que é, como no filme Outbreak (***)”.
(***) Filme-catástrofe de drama e suspense lançado em 1995 e dirigido por Wolfgang Petersen. Apresenta a história de um novo vírus, que foi mantido em segredo pelo governo americano durante anos, para ser utilizado como arma biológica.
Outro fator que concorreu para aumentar o pânico é que sua difusão no hemisfério Norte se deu no fim do inverno; e, como os primeiros sintomas de Covid-19 são similares aos de uma gripe estacional, muita gente afetada por essa última era levada a achar que tinha contraído o coronavírus, acrescentou o médico.68
Entrevistado pelo cotidiano belga L’Echo, o filósofo agnóstico francês André Comte-Sponville aduziu outros motivos dignos de menção, e lançou a pergunta: “A gripe de 1968 – ‘gripe de Honk Kong’ – fez quase um milhão de mortos, na indiferença quase geral. Por que, cinquenta anos mais tarde, nossas sociedades reagem de maneira totalmente diferente diante da ameaça do coronavírus? A gripe chamada de ‘asiática’, em 1957-1958, havia feito ainda mais [mortos], e todo o mundo a esqueceu. Por que essa diferença de tratamento? Eu vejo três razões principais. Em primeiro lugar, a globalização, no seu aspecto midiático: agora estamos informados em tempo real de tudo que acontece no mundo. Por exemplo, a cada dia o número de mortos na China ou nos Estados Unidos, na Itália ou na Bélgica. Depois, a novidade e o ‘viés cognitivo’ que ela acarreta: a Covid-19 é uma doença nova, e por essa razão inquieta e surpreende ainda mais. Por fim, o afastamento da morte, que a torna ainda mais inaceitável quando ela nos é lembrada”.69
Esses fatores psicológicos de propensão ao medo foram turbinados pela mídia. Sob o pretexto de incitar a população a observar os comportamentos preventivos sugeridos pelas autoridades, ela contribuiu para o pânico através de incessantes reportagens em tom apocalíptico.
Exemplo gritante dessa tendência ao exagero foi a reportagem da BBC, de 4 de abril, intitulada “Coronavírus: [Menina de] 5 anos de idade entre as últimas vítimas no Reino Unido” – com dados diários fornecidos pelo Ministério da Saúde, mas realçando no título algo que caberia em apenas uma linha dessa reportagem, portadora das mais variadas informações. O caráter alarmista do título é ainda reforçado pelo fato de que o artigo reconhecia que a menina sofria de “condições patológicas subjacentes”.70
Renaud Girard, editorialista do Figaro,denunciou o caráter tortuoso desse noticiário: “Sendo objetivo, o artigo da BBC alimenta inconscientemente a psicose coletiva, fazendo passar uma mensagem subliminar: as crianças também morrem! [de coronavírus]. Ora, a realidade estatística é exatamente o oposto: o vírus é quase inofensivo para as crianças. Mais tarde os sociólogos deverão analisar cuidadosamente o papel que desempenharam os meios de comunicação na emergência de uma psicose mundial diante de uma doença pouco letal”.71
Outro grupo social que contribuiu para causar o pânico foi o das autoridades religiosas, em particular da hierarquia católica, que muitas vezes se adiantou às autoridades ou foi além delas na aplicação das medidas restritivas. O pior exemplo possível foi o do Vigário de Roma, centro do catolicismo: após consultar o Papa Francisco, ele mandou fechar as igrejas: “O acesso às igrejas paroquiais e não paroquiais da Diocese de Roma abertas ao público, e aos edifícios de culto de qualquer gênero abertos ao público, ficam interditados a todos os fiéis” – decretou o cardeal Angelo De Donatis,72 devendo dar marcha à ré dois dias mais tarde, em face da indignação dos fiéis. Entretanto, a privação dos sacramentos e da consolação espiritual proporcionada pela oração no ambiente interno de uma igreja não podia senão aumentar a angústia diante da epidemia; e, indiretamente, induzir ao pânico.
Ciente disso, o bispo de Bellay-Ars, Dom Pascal Roland, cantou fora do coro, quando o governo impôs as primeiras restrições; e alguns bispos franceses, indo mais longe que as autoridades, proibiram as missas e a administração dos sacramentos. Dom Pascal publicou uma nota intitulada “Epidemia de coronavírus ou epidemia de medo?”, afirmando que “mais do que a epidemia do coronavírus, devemos temer a epidemia do medo”; ele se recusava a “ceder ao pânico coletivo e a submeter-se ao princípio de precaução que parece mover as instituições civis”. Para o destemido prelado, “o pânico coletivo ao qual assistimos hoje” era revelador de nossa “relação falsificada com a realidade da morte” e dos “efeitos geradores de ansiedade da perda de Deus”. E perguntava: “Por que focalizar subitamente nossa atenção unicamente no coronavírus? Por que esquecer que a cada ano a gripe sazonal, banal, faz na França entre 2 e 6 milhões de doentes e provoca aproximadamente 8.000 mortes?”. O bispo concluía com um apelo: “Então, não cedamos à epidemia do medo! Não sejamos mortos-vivos!”.73
Esse comunicado, que olhado retrospectivamente tem características de realista e visionário, também foi vítima… do medo (e da pressão midiática do “pensamento único”), tendo sido retirado do site da diocese na Internet.