Rodolfo Luis Kowalski
Após 198 anos, as mulheres estão rompendo a última barreira que faltava para a inclusão completa nos quadros do Exército Brasileiro, num processo de transformação da instituição que teve início em 1992. No próximo ano, formam-se as primeiras combatentes na Academia Militar dos Agulhas Negras (AMAN), que passarão a fazer parte da tropa em 2022. Além disso, no Paraná elas já são uma parcela considerável do efetivo, além de serem a maioria – e as que apresentam as melhores notas – nos processos seletivos.
Presença feminina na área bélica está exigindo adaptações
De todo o efetivo de oficiais e sargentos no Paraná, por exemplo, 35% são mulheres, sendo que em áreas como a da Saúde o porcentual chega a até 80%. Além disso, no ano passado os processos seletivos do Exército, que servem para a contratação de militares temporários, tiveram um total de 8 mil inscritos e mais da metade (53%) foram mulheres que se inscreveram.
“O índice de participação feminina vem aumentando. Neste ano, duas áreas que seriam predominante masculinas, de mecânico e motorista de carreta, as primeiras colocadas foram mulheres”, comenta o Coronel Paulo Henrique Maier, Chefe do Escalão de Pessoal. “Causou uma primeira surpresa, mas depois, ao olhar a parte de currículo, preparação profissional, são profissionais altamente capacitadas. A mecânica já está trabalhando e no segundo semestre teremos duas mulheres motoristas de carreta no Paraná”.
De acordo com o Coronel Fabrício Ramires Pinto, Chefe do Estado-Maior da 5ª Região Militar, a presença da mulher dentro do Exército é um retrato da sociedade. “Ela ganhou muito campo de trabalho, em todas as profissões, e no Exército não é diferente”, aponta o militar, comentando ainda que, por ser a mais conservadora das três instituições que compõem as Forças Armadas, o Exército acabou sendo o último a inserir a mulher. “Mas isso aconteceu lá na década de 1990. Antes a Marinha foi a precursora, depois a Força Aérea.”
Atualmente, a maioria das mulheres estão na parte técnica do Exército. São administradoras, assistentes sociais, engenheiras, enfermeiras, jornalistas e médicas, por exemplo. Em breve, contudo, elas também passarão a integrar a tropa, se tornando combatentes e assumindo a linha de frente. É que no ano que vem se forma a primeira turma da AMAN com mulheres, e a partir de então elas passarão a integrar a tropa. Conforme explica o Coronel Maier, trata-se da última etapa que faltava para o Exército completar a inclusão feminina em seus quadros.
“Ano que vem teremos essa experiência das mulheres, que se formaram na área bélica, na tropa. Nas outras áreas todas já temos a presença feminina consolidada”, explica o Coronel Maier. “Isso é bacana. Na AMAN, dos 10 primeiros colocados (dessa turma que vai se formar), sete são meninas. Daqui a 20 anos, talvez, eu vá ter um efetivo com até 50% de mulheres. Ainda não temos serviço militar obrigatório com meninas, quem sabe no futuro…”, complementa o Coronel Ramires Pinto.
‘No Exército, o que existe é a igualdade’, diz tenente-coronel
Desde 1997 no Exército, a Tenente-Coronel Engenheira Militar Cristina Fleig Mayer é hoje Comandante da Comissão Regional de Obras/5, responsável por todas as obras nas unidades militares do Paraná e de Santa Catarina. Quando ela ingressou nos quadros da instituição, eram poucas as mulheres militares, tendo a tenente-coronel feito parte da primeira turma de engenheiras militares.
“Era novidade, muitos quartéis não tinham mulheres. Para o pessoal mais antigo foi uma coisa diferente, então eles tiveram de se acostumar”, recorda a militar, que celebra o avanço feminino dentro dos quadros da instituição. “O fato de ter alguém como eu chefe de organização militar de engenharia, isso motiva outrasmulheres. Eu tenho observado, as pessoas me procuram e até na rua, as vezes eu estou fardada, as pessoas querem saber. Tem muita mulher interessada em participar disso.”
A Tenente-Coronel conta também que vivenciou a desigualdade que existe entre homens e mulheres no mercado de trabalho quando ingressou no setor privado, em 1995, após se formar engenheira. Hoje, avalia que a situação persiste a partir dos relatos de sua filha, que é publicitária. Só que no Exército, garante, isso é diferente.
“As vezes as pessoas pensam que no Exército, por ser uma instituição formada na maioria por homens, também existe essa diferença. Só que no Exército existe a igualdade, porque isso é lei. Então recebemos o mesmo salário, a participação é a mesma, nosso trabalho é o mesmo. Temos engenheiras e arquitetas, elas vão para obra, sobem no telhado… Na época em que me formei sentia uma certa diferença de oportunidade para homens e mulheres, e quando eu entrei (no Exército) vi que não teria mais esse problema.”
‘Sempre tiveram muitos questionamentos’, conta tenente
Há um ano no Exército, a 2º Tenente Odelita Herbst Milane, Assistente Social da 5ª Região Militar, conta que jamais imaginou que um dia se tornaria uma militar. E se ela não esperava por isso, a surpresa também foi grande entre familiares e conhecidos quando ela anunciou que estaria ingressando na Instituição.
“Foi uma grande surpresa. Nunca imaginei ir para área militar, não tinha militar na família, nenhum tipo de convívio, nada. Recebi grande apoio,mas também sempre tiveram muitos questionamentos:o que eu ia fazer? Viraria soldado? Teria de vestir fardamento? Qual seria minha função?”, afirma a tenente, que celebra o fato de ter conseguido, a partir disso, ajudar outras mulheres a ingressarem no Exército.
“Aí vai descobrindo um novo mundo, outras colegas resolveram participar também (do processo seletivo). Ainda tem muita coisa de censo comum, as pessoas pensam que é uma coisa de homem. Mas conhecendo as diversas áreas a gente vê que até em profissões mais masculinizadas, como engenharias, parte de tecnologia da informação, hoje tem mudado muito, e não só no meio militar, mas no meio civil também”, finaliza.
Hospitais Gerais estão nas mãos delas
Com 129 anos de existência, o Hospital Geral de Curitiba está sendo dirigido pela primeira vez por uma mulher. No dia 18 de fevereiro de 2020, o Tenente Coronel Médico Frederico Marcelo de Souza Coelho transmitiu a Direção do HGeC para a Tenente Coronel Médica Regina Lúcia Moura Schendel, nascida no Rio de Janeiro e desde 1998 no Exército. Antes disso, em 13 de dezembro do ano passado, o Coronel Médico Sérgio Luis Hammes já havia passado a direção do Hospital de Guarnição de Florianópolis (HGuFl) para a Coronel Médica Carla Lobo Loureiro, também a primeira militar do segmento feminino a comandar o hospital.
Em breve, a primeira general do Exército
No Exército Brasileiro ainda não há nenhuma mulher General. Essa situação, no entanto, está prestes a mudar. É que nos próximos três anos teremos as primeiras oficiais chegando ao generalato. “No Exército, tudo já está previsto. Para usar a palavra da moda, o compliance do Exército está escrito desde a sua formação. Então como a gente já sabe todo nosso plano de carreira, daqui três anos as turmas que se formaram em 1992 vão concorrer ao generalato, o que significa que daqui três anos com certeza nós teremos uma oficial general”, comenta o Coronel Maier. “(Com uma mulher) chegando ao oficial general, talvez algumas mudanças aconteçam no Exército no sentido dessa participação feminina, um maior incentivo. Nos últimos cinco anos foi quase 30% de aumento e só tem aumentado cada vez mais”, emenda a Tenente-Coronel Mayer.