A Holanda está custando para aprender que a liberdade, mesmo constituindo um bem em si mesmo, de nada serve quando não há preocupação em buscar a verdade e fazer o que é correto.
A Holanda é, reconhecidamente, um dos países mais liberais do mundo. Contudo, dois itens de sua cartilha progressista estão sendo pouco a pouco questionados e revistos por sua população: trata-se da descriminalização do uso da maconha, que aconteceu em 1976, e do reconhecimento da prostituição como profissão legalizada, em 2000.
Está comprovado que ambos os comércios movimentam muito a economia do país. Os coffee shops que vendem maconha e os chamados “distritos de luz vermelha” — assim chamados pela forte presença de casas de prostituição —, trazem todos os anos 2,5 bilhões de euros para a economia nacional. Cálculos oficiais apresentados pela agência Reutersestimam que as duas indústrias representam 0,4% do produto interno bruto, um número “levemente menor que o consumo total de pão e provavelmente um pouco maior que o consumo total de queijo”, de acordo com um instituto de estatísticas.
A situação de um país, no entanto, não se resume a índices econômicos. Diferentemente do que pensavam Karl Marx e pensadores com uma visão da antropologia e da história notoriamente reducionistas, “não só de pão vive o homem”. O ser humano não se reduz “ao ventre, ao sexo e ao dinheiro”. Ainda que movimente o turismo e a economia, as consequências humanas da legalização das drogas e da prostituição estão fazendo com que as autoridades e a população da Holanda repensem seriamente suas políticas sociais.
Para entender o porquê dessa reviravolta, é preciso compreender os efeitos negativos das decisões que esse país tomou em seus “anos rebeldes”. Em uma reportagem de 2008, intitulada “Mudanças na vitrine”, a revista Veja pinta um retrato interessante dos Países Baixos em meados da última década, do qual vale a pena fazer alguns recortes.
Em relação às drogas, o jornalista Thomaz Favaro explica que:
“A tolerância em relação à maconha, iniciada nos anos 70, criou dois paradoxos. O primeiro decorre do fato de que os bares podem vender até 5 gramas de maconha por consumidor, mas o plantio e a importação da droga continuam proibidos. Ou seja, foi um incentivo ao narcotráfico. O objetivo da descriminalização da maconha era diminuir o consumo de drogas pesadas. […] O problema é que Amsterdã, com seus coffee shops, atrai ‘turistas da droga’ dispostos a consumir de tudo, não apenas maconha. Isso fez proliferar o narcotráfico nas ruas do bairro boêmio. O preço da cocaína, da heroína e do ecstasy na capital holandesa está entre os mais baixos da Europa.”
Como resultado, entre 2002 e 2006, as prisões por posse ou comércio de drogas ilegais cresceram 21% na Holanda. Além disso, de acordo com The Washington Post, “a ausência de meios legais para que os coffee shops obtenham Cannabis tem sublinhado a sua associação com o crime organizado”.
Quanto à prostituição, Amsterdã tem uma relação de 14 prostitutas para cada 1000 habitantes, quatro vezes mais que em Paris, e o tráfico de mulheres aumentou 260% nos primeiros três anos da legalização dos bordéis. Ainda de acordo com a reportagem de Veja,
“Nos últimos vinte anos, a gerência dos prostíbulos saiu das mãos de velhas cafetinas holandesas para as de obscuras figuras do Leste Europeu, envolvidas em lavagem de dinheiro e tráfico de mulheres. Boa parte dos problemas é conseqüência do excesso de liberalidade. O objetivo da legalização da prostituição foi dar maior segurança às mulheres. Como efeito colateral houve a explosão no número de bordéis e o aumento na demanda por prostitutas. Elas passaram a ser trazidas — nem sempre voluntariamente — das regiões mais pobres, como a África, a América Latina e o Leste Europeu.”
O que pretendia “dar maior segurança às mulheres”, portanto, acabou se revelando um verdadeiro prejuízo para elas. “Ao invés de confinar os bordéis a uma discreta (e evitável) parte da cidade, a indústria do sexo se espalhou por toda a Amsterdã, incluindo o meio da rua”, escreve Julie Bindel para o The Spectator. “Ao invés de receberem direitos no ‘ambiente de trabalho’, as prostitutas descobriram que os cafetões são tão brutais como sempre foram.”
Está ruindo, enfim, a “permanente Woodstock” que algumas pessoas se iludiam tentando construir. Os Países Baixos aprenderam via ardua que, definitivamente, não se melhora uma sociedade simplesmente aumentando — ou estendendo indevidamente — a liberdade de seus cidadãos. Embora constitua um bem em si mesmo, o valor liberdade de nada serve quando não há preocupação em buscar a verdade e fazer o que é correto. O homem é tragicamente livre até para abusar dos bens que Deus lhe deu.
É evidente que o problema da Holanda não está nem nas drogas nem no sexo — sem eles, não haveria nem farmácias para curar as enfermidades nem famílias para repor a população do mundo —, mas no que as pessoas estão fazendo delas. Corruptio optimorum pessima: quando satisfazem tão somente os seus instintos mais baixos, esquecendo que foram dotados de inteligência e vontade e criados para a grandeza do Céu, os seres humanos descem mais baixo do que os animais. Que a Holanda — e com ela todo o mundo — acorde finalmente para o grande pecado em que está atolada e transforme as profundezas de seu inferno em profundidade de penitência: “Das profundezas eu clamo a vós, Senhor, escutai a minha voz…” (Sl 129, 1-2).