Conta inclui financiamentos do BNDES feitos durante os governos Lula-Dilma para obras de infraestrutura e exportações de carnes e aviões. A dívida pode recair sobre o Tesouro
Pelas mãos de operários da Odebrecht, o aeroporto militar de Nacala, cidade com menos de 300 mil habitantes ao norte de Moçambique, na África, foi transformado num terminal internacional com capacidade para 500 mil passageiros ao ano. O projeto foi inaugurado em 2014, mas nunca decolou. Até janeiro, o aeroporto recebia apenas dois voos semanais. As salas de embarque ociosas viraram palco para convenções. E não surpreende que as autoridades tenham incorporado em discursos e entrevistas o apelido informal do empreendimento: elefante branco. O governo moçambicano até tenta fomentar negócios na região para atrair mais companhias aéreas. Enquanto não consegue, a estatal aeroportuária vai dando calote nos seus credores.
Em 2016, o BNDES percebeu o primeiro atraso nas parcelas do crédito concedido ao projeto. O calote foi confirmado em 2017. O banco acabou indenizado pelo seguro do Fundo de Garantia à Exportação (FGE), instrumento público brasileiro utilizado para cobrir a falta de pagamentos em operações fora do País. Desde então, a conta não parou de subir.
O total não honrado nas operações do aeroporto chega a US$ 37 milhões, superior à soma de todas as indenizações pagas pelo fundo desde a sua criação, no final da década de 1990, até dezembro de 2016 (US$ 21,5 milhões). O caso de Moçambique prenunciou uma mudança profunda no equilíbrio do fundo. Inaugurou um período de avanço alarmante das indenizações, uma fatura que ameaça o erário da União.
Não é possível saber até onde vai o rombo. Apenas que ele aumentará. Em janeiro deste ano, o Brasil registrou US$ 139 milhões em calotes referentes ao seguro de créditos às exportações de bens e serviços. Somado aos dois últimos anos, o desfalque alcança um total de US$ 511,5 milhões (aproximadamente R$ 2 bilhões). Cerca de 90% dos calotes estão concentrados em negócios feitos com a Venezuela. Incluem desde recursos para obras de estações de metrô e de uma siderúrgica, feitas pela Odebrecht e a Andrade Gutierrez, respectivamente, até carnes e aviões vendidos pela JBS e a Embraer. O país vizinho passa por uma crise sem precedentes e muito provavelmente não honrará seus compromissos que estão para vencer.
Recentemente, Cuba também entrou para o grupo dos caloteiros. Das 28 indenizações registradas neste ano, 18 estavam relacionadas à ilha. Há outros países na lista, mas eles somam menos de 1% da conta. As operações cubanas sem pagamentos são variadas — desde máquinas agrícolas, a caminhões e insumos farmacêuticos. Embora o rombo some apenas US$ 16,8 milhões, há potencial para que cresça bastante. A maior fonte de calotes são os créditos concedidos pelo BNDES para a Companhia de Obras e Infraestrutura, subsidiária da Odebrecht que construiu o Porto Mariel, a 40 km de Havana. No total, os créditos brasileiros aprovados para o projeto somam US$ 641 milhões.