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Bombeiro morreu tentando salvar mãe e bebê no Guarujá, na Baixada Santista

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mar 4, 2020

Em Santos, São Vicente e no Guarujá, 16 pessoas já morreram em decorrência das chuvas; ainda há 33 pessoas desaparecidas

Por ESTADÃO CONTEÚDO

As chuvas fortes que atingem a região da Baixada Santista desde a tarde de segunda-feira (2), já provocaram ao menos 16 mortes nas cidades de Guarujá, Santos e São Vicente. Trinta e três pessoas estão desaparecidas. O número foi atualizado em boletim conjunto divulgado no final da tarde desta terça pelo Corpo de Bombeiros e pela Defesa Civil.

Em entrevista à Rádio Eldorado, o coronel Endel Ricardo Pereira, diretor de operações da Defesa Civil estadual, confirmou que entre as vítimas estão dois agentes do Corpo de Bombeiros. Eles participavam de uma operação de resgate no Morro do Macaco Molhado, no Guarujá, e foram atingidos por um novo deslizamento, que deixou um deles morto, enquanto o outro continua soterrado.

O bombeiro que morreu, cabo Moraes, foi atender o chamado do primeiro desabamento, ainda na noite de segunda. Durante o resgate, a equipe foi surpreendida por outro desabamento. Cabo Batalha, que também atendeu ao primeiro chamado, ainda é procurado. Eles tentavam encontrar uma mãe com o bebê, os dois também foram encontrados mortos.

O principal local com registro de mortes até o momento é o Guarujá, com 14 casos. A cidade também tem o maior número de desaparecidos. Um dos locais mais atingidos é o morro do Macaco Molhado e no Jardim Centenário. A prefeitura da cidade decretou estado de emergência. Pelo menos duzentas pessoas estão desabrigadas no município. Na manhã desta terça (3), o prefeito Valter Suman (PSB) sobrevoou as áreas mais atingidas junto com o coordenador da Defesa Civil do Estado, coronel Walter Niakas Júnior.

O ajudante de pedreiro Luciano Martins de Oliveira, conhecido como Aranha, de 59 anos, estava dormindo em casa no momento do deslizamento, por volta da 1h30, no Morro do Macaco Molhado. Ele chegou a ficar soterrado até o umbigo e foi resgatado por vizinhos e bombeiros. “Achei que iria perder metade do corpo. Me ajudaram a sair pela janela.”

No início da tarde, mesmo com a chuva, ele estava nas proximidades da casa, preocupado em conseguir os documentos, mas a habitação de madeira, em que vivia há 6 anos, desmoronou. “Não tenho lugar para ir. Perdi tudo, estou só com a roupa do corpo mesmo.” Luciano não quer mais ficar no Morro do Macaco Molhado. “Dá medo, essa chuva não para”, diz. “Mas o importante é estar vivo”, acrescenta.

“Veio aquela água, aquela lama correndo um monte, parecia aquilo que teve em Minas. Como era o nome mesmo daquele lugar?”, disse, referindo-se a Brumadinho, onde o rompimento de uma barragem deixou ao menos 270 mortos. Como ainda chove na região, o Corpo de Bombeiros pediu para moradores e jornalistas se afastarem do local de um dos desmoronamentos. Nas ruas da parte mais baixa, a população usa enxadas, carrinhos de mão e outros equipamentos para retirar a lama avermelhada.

Os moradores estão tentando ajudar os bombeiros na retirada de escombros e localização de desaparecidos. “Não estava em casa, cheguei depois. Estava feio, uma escuridão, não tinha o que fazer. Todo mundo conhece o outro aqui. Foi difícil, porque perdemos uma amiga, seu filho e o bombeiro que estava tentando ajudar. Tem gente aqui desde ontem (segunda-feira) ajudando. É muito triste”, disse Fabiano Barbosa, vizinho das vítimas e voluntário.

O cenário no Morro do Macaco é de devastação. Barracos vieram abaixo, móveis e eletrodomésticos estão destruídos, além de muita lama e dificuldade para retirar os escombros na procura por sobreviventes. No alto do morro, os voluntários, enfileirados, ajudam na retirada da lama. Um balde passa de mão em mão até ser despejado em um área isolada. Os bombeiros realizam movimentos minuciosos na tentativa de evitar outros deslizamentos e são avisados pelo som de um apito quando algo de pior pode acontecer.

“Fiquei muito triste quando cheguei lá em cima, porque são pessoas que conheço há muito tempo. Moro aqui há 50 anos. Eu gostaria de ajudar, mas não posso porque sou operado da coluna. Fiquei muito feliz em ver as pessoas ajudando”, ressaltou Gilvan Nunes, morador do Morro do Macaco.

“Tudo tremia na casa”, lembra a dona de casa Bruna da Rocha, de 27 anos, que mora nas proximidades de um dos deslizamentos. “Começou todo mundo a gritar, chorando, pedindo ajuda para eles”, relata. “Moro aqui há 27 anos e nunca vi algo assim na minha vida. É a primeira vê que acontece uma coisa dessas.”

A controladora de acesso Letícia de Carvalho, de 40 anos, teve de deixar a casa com as duas filhas, de 9 e 15 anos. “Vamos para a casa de um amigo que ofereceu moradia. O prefeito não vem ver a situação, só vem para pedir voto.”

Ele mora a poucos metros dos locais de deslizamento. “Escutei gritos do pessoal pedindo socorro. A gente saiu batendo em tudo que é lugar, ligando para resgate, ambulância, polícia, Deus e o mundo.”

Com ajuda de amigos e das filhas, Letícia tirou grande parte dos pertences de casa. “Estamos tirando tudo, roupa, documentos, eletrodoméstico, infelizmente bens materiais que a gente conquistou com tanto suor.”

Desaparecidos no Guarujá

Entre os desaparecidos no morro do Macaco Molhado está Rafael Rodrigues, de 35 anos, liderança de projetos de capoeira e dança folclórica, que hoje atende cerca de 120 crianças e adolescentes O projeto existe há mais de 20 anos. Segundo amigos, ele mora em um bairro próximo e, ao saber que o deslizamento havia vitimado crianças, resolveu ajudar ainda na madrugada.

“A gente estava se comunicando, eu e o meu irmão. Ficou complicado porque não tinha mais eletricidade”, conta o contramestre do Afroketu, projeto de Rafael, Yago Gonçalves, de 27 anos. “A gente se conhece desde pequeno, treina capoeira desde novo.”

Yago está ajudando na retirada dos escombros e da lama junto com outros integrantes do Afroketu. “Desci pela lama, achei um dos bombeiros (o corpo). Mas o meu irmão, eu tenho fé que vai ficar bem.”

“Tinha muitos alunos nossos que moram por aqui”, explica. “A comunidade é bem unidade nessa parte (de ajudar).”

“A esperança é a última que morre importante, tenho fé sempre. Ele é um cara resistente.”

O ajudante de pedreiro desempregado Felipe Oliveira, de 22 anos, morava em um barraco atingido, junto da esposa, grávida, e da filha de 4 anos. Após perder a moradia, para qual se mudou havia três meses, ele deixou a família com a irmã e voltou ao local dos deslizamentos. “Consegui pegar só umas roupinhas. Desmoronou, caiu tudo em cima de mim. Minha filha ficou presa debaixo da madeira. Um amigo veio e ajudou. Senão, a gente não iria conseguir sair. Depois fomos à luta ajudar todo mundo.”

Ele conhecia pessoas soterradas. “O Rafael era amigo da gente, gente boa. Tão gente boa que foi ajudar quem estava precisando. Ele estava ajudando todos. Era trabalhador.”

Felipe está ajudando a retirar escombros desde a madrugada. “Até terminar tudo, até a hora de parar, vamos dar uma força aí. Faz pensar (estar em área de risco), mas pessoas estão precisando, vamos contar com Deus e com a sorte para continuar os trabalhos.”

Um que voltou para ajudar nos resgates e encontrou familiares mortos foi Luiz Vitor Feitoza. E ele tem parentes também entre os desaparecidos. “Não moro aqui. Vim para ajudar. Já encontraram um tio e uma tia minha mortos. E ainda estão procurando outra tia e mais três primos que estão desaparecidos. Acordei com meu pai me chamando para virmos ajudar.”

Trabalho dos bombeiros

De acordo com o porta-voz do Corpo de Bombeiros, capitão Marcos Palumbo, 15 bombeiros trabalham nos resgates no Guarujá. Todo o trabalho de resgate é feito de forma manual, pois não há condições de utilizar máquinas. Segundo o capitão, há chances de novos deslizamentos.

“O corpo de bombeiros atua principalmente no Guarujá, onde temos 32 pessoas desaparecidas, sendo quatro no Morro do Macaco e 28 na Barreira do João Guarda. As equipes estão fazendo buscas em um terreno muito complicado e com chance de novos deslizamentos”, explicou Palumbo.

As equipes chegaram ainda durante a noite de segunda no Morro do Macaco. A chuva encharcou e desestabilizou o solo, provocando o “escorregamento da encosta, de quase todo o morro”. Bombeiros estimam que cerca de 30 residências foram atingidas. O local ainda representa muito perigo, segundo avaliação do capitão Palumbo.

A operação também usa cães para tentar encontrar pessoas soterradas.

Até agora, o Corpo de Bombeiros não divulgou os nomes das vítimas.

O secretário adjunto de Defesa Civil do Guarujá, Carlos Eduardo Smicelato, estima que o número de vítimas possa chegar a 50 ou, até mesmo, 80 mortos. “Como algumas (moradias) não estão cadastradas, é difícil fazer uma estimativa mais próxima da realidade. Estamos estimando a partir de relatos de moradores próximos, das famílias.”

A Prefeitura está preparando um espaço para receber 200 desabrigados, o que pode ser ampliado para até 400 pessoas se a chuva persistir. “O Guarujá foi a cidade mais impactada, com 280 mm de chuva em 24 horas. Foi uma catástrofe, é imprevisível a gente evitar uma tragédia nessa circunstância.”

Segundo ele, as comunidades mais afetadas são os Morros do Macaco Molhado, do João Guarda, do Engenho e da Baiana. O secretário diz que o Guarujá tinha moradias em área de risco de nível 3, em uma escala que vai até 4.

Mortes em Santos

Ainda conforme balanço divulgado no começo da tarde, Santos tem uma morte e 11 desaparecidos. São Vicente tem três desaparecidos Em Santos, a prefeitura decretou estado de atenção. A vítima, uma mulher de 30 anos, morreu soterrada em um deslizamento no Morro do Tetéu. O Corpo de Bombeiros resgatou com uma criança atingida por deslizamento no Morro do Fontana. Ela foi levada para a Santa Casa e continuava internada em estado estável.

Em Santos, os deslizamentos atingiram ainda os morros Santa Maria, São Bento, Vila Progresso e Monte Serrat – muitos moradores abandonaram as casas. A prefeitura distribuiu lonas plásticas para moradores de imóveis afetados. A Secretaria de Educação suspendeu as aulas em unidades de ensino devido às dificuldades de acesso. A escola Terezinha de Jesus Pimentel, no Morro de São Bento, está funcionando como ponto de acolhida para os desabrigados.

Os corpos das vítimas das chuvas na Baixada Santista são levados aos IMLs de Praia Grande e Guarujá. A Polícia Técnica Científica reforçou as equipes para garantir o atendimento.

Dados do Núcleo de Gerenciamento de Emergência da Defesa Civil do Estado indicam que o acumulado nas últimas 12 horas de chuvas foi de 282 mm no Guarujá, 218 mm em Santos, 170 mm em Praia Grande, 169 mm em São Vicente, 160 mm em Mongaguá , 132 mm em Mongaguá, enquanto o acumulado foi de 110 mm Itanhaém e Bertioga.

Foram registradas ao menos quatro quedas de barreiras ao longo da Rodovia Doutor Manuel Hipólito Rego, em dois pontos da SP 055 (Rio-Santos) e outros dois da SP 061 (Guarujá-Bertioga), de acordo com informações do Departamento de Estradas de Rodagem (DER). O VLT da Baixada Santista também amanheceu paralisado nesta manhã, após deslizamento de terra próximo ao túnel que faz a ligação entre Santos e São Vicente.

Em sua conta oficial no Twitter, o governador do Estado de São Paulo, João Doria (PSDB), prestou sua solidariedade às vítimas do temporal. Doria chegou no fim da manhã a Santos para uma reunião de emergência com os prefeitos das cidades atingidas pelas chuvas e sobrevoou a região.

Aluguel Social

O governador João Doria anunciou que irá disponibilizar aluguel social para as pessoas que ficaram desalojadas após fortes chuvas que atingiram a região da Baixada Santista nesta madrugada.

Após sobrevoar as áreas afetadas pelos temporais, ele concedeu entrevista coletiva aos jornalistas no Paço Municipal de Santos, no litoral paulista.

O governador afirmou que as famílias ficarão em abrigos municipais e depois vão receber recursos para o programa aluguel social compartilhado com as prefeituras.

“O Governo participa com 50% do valor e as prefeituras que têm destinação de recursos com os outros 50% para tantos quantos forem necessários para terem acolhimento de abrigo, enquanto recuperam suas casas ou terão outros destinos já que muitas casas são irrecuperáveis”, disse Doria.

Com o risco de novos deslizamentos nos próximos dias, ele afirma que é preciso retirar a população que estão em áreas de risco identificadas. “Orientamos a Defesa Civil, a Polícia Civil, o Corpo de Bombeiros, o Estado e também as forças da Defesa Civil da Baixada Santista para que atuem juntos para a imediata retirada das pessoas que ainda estão sob riscos.”

O governador também pediu a doação de água mineral, colchões novos e itens de higiene pessoal para as famílias afetadas. “A solidariedade daqueles que puderem cooperar. Empresários, comerciantes e pessoas físicas que queiram ajudar.”

Segundo Doria, o levantamento de pessoas desalojadas e desabrigadas está sendo feito gradualmente pela Defesa Civil estadual e municípios afetados.

Previsão para os próximos dias

A previsão para esta terça-feira (3), é de chuva moderada a forte ao longo do dia em todo o litoral paulista, incluindo a região da Baixada Santista, e deve se estender até a madrugada de quarta. De acordo com a equipe da Defesa Civil, o temporal foi causado devido à formação de uma área de baixa pressão no litoral de São Paulo e a circulação dos ventos nos altos níveis da atmosfera.

Nas redes sociais, o Santos, clube de futebol, anunciou que vai promover a arrecadação de donativos na Vila Belmiro para as famílias que estão desabrigadas pela tragédia.

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