COMO OS LOBOS CHINESES USAM E ABUSAM DO TWITTER
Por BOMBEIRO
China mobiliza um exército de “lobos guerreiros” ligados ao serviço diplomático numa grande guerra de desinformação para perseguir, caluniar, confundir e atacar os adversários do regime chinês em todo o planetaJessica Brandt e Bret SchaferHá pouco mais de um ano, a China tinha quase que nenhuma presença diplomática no Twitter. Um punhado de contas, muitas representando postos diplomáticos distantes, operadas sem aparente coordenação ou direção de Pequim. Atualmente, o trabalho dos diplomatas chineses no Twitter parece bem diferente: mais de 170 deles batem boca com poderes ocidentais, promovem conspirações sobre o coronavírus e trollar os americanos em assuntos raciais. O quádruplo no ano passado e metade da presença diplomática chinesa em um site bloqueado chinês sugere que mirar nas plataformas ocidentais para influenciar o ambiente da informação além das fronteiras chinesas não é um assunto para depois e, sim, uma prioridade.Na busca crescente de táticas assertivas para moldar como a China é percebida online, Pequim tem pegado emprestado elementos da cartilha russa. Os diplomatas “wolf warrior” chineses ― uma expressão que vem de uma franquia de filme chineses jingoísta (radicais patriotas) e se refere a uma nova abordagem dentre as corporações diplomáticas chinesas para defenderem online sua pátria de forma mais agressiva ― propagam teorias conspiratórias contraditórias sobre a origem do novo coronavírus que são desenvolvidas para semear o caos e desviar a culpa. São utilizados os ditos guerreiros, junto ao aparato da mídia estatal de propagação e, por vezes, campanhas de trollagem disfarçadas, para amplificar as falsas teorias nas mídias sociais e na imprensa. E, ao fazer tudo isso, seguindo as cartilhas de canais de publicidade operados por Moscou, Caracas, e, em menor extensão, Teerã, e a rede de agitadores oposicionistas, eles conseguem alavancar a promoção de conteúdos antiocidentais.Mas Pequim também desenvolveu diversas de suas jogadas. Seus diplomatas engajam-se em contas no Twitter que suportam características de inautenticidade, acentuando o desafio de gerar apoio orgânico para suas campanhas em uma plataforma que está banida na própria China. Preparam campanhas com hashtags e contas de mídia social dedicadas a inundar conversas sobre seu protocolo de direitos humanos com conteúdo positivo.Estamos testemunhando uma ampla virada na abordagem informativa de Pequim, guiada pela pandemia da Covid-19, porém com implicações que irão perdurar mais que a própria pandemia. Da forma como esta nova estratégia é implementada, mais adiante teremos consequências na disputa entre democracias e autocracias e no uso de manipulação da informação por líderes autoritários, a fim de manter seus países em rédeas curtas e enfraquecer seus competidores democráticos.Ganhando audiência com conteúdo viralFuncionários públicos chineses têm conquistado seguidores ao combinar sabiamente mensagens estratégicas com conteúdo criado para atrair e se conectar ao público ocidental. Pegando uma dica de seus equivalentes russos, os mensageiros mais eficazes da China no Twitter provaram habilmente como se capta parte da audiência através de conteúdo viral, misturando mensagens amigáveis sobre Pequim e conteúdo clickbait criado para atrair seguidores, desde memes virais até vídeos de pandas. Os diplomatas chineses têm demonstrado uma visão de que o engajamento no Twitter é guiado por provocação, não por diplomacia. Quase todos dos mais engajados em tuítes das embaixadas chinesas e representantes, nos últimos seis meses, compõem conteúdo confrontador ou conspiracionista, e suas contas com mais seguidores são as mais combativas.Esta abordagem nova e mais agressiva parece estar dando frutos. Contas diplomáticas chinesas no Twitter tem quase que dobrado o número de seguidores desde março de 2020, quando eles começaram suas mensagens antagônicas referentes ao coronavírus. E os dois funcionários do governo chinês mais seguidos, o porta-voz do Ministério do Exterior Zhao Lijian (@zlj517) e Hua Chunying (@spokespersonCHN), têm visto, respectivamente, um aumento de 42% e 121% de seguidores desde março de 2020. Isso representa um crescimento considerável de seguidores. Para fins de comparação, as duas contas principais do governo russo, a conta oficial do Kremlin (@kremlinrussia) e a conta do Ministério das Relações Exteriores (@mid_rf) viram um aumento de 1% e 0,4% no mesmo período.Alavancando as redes de influência de outros autocratasNa falta de rede própria e consolidada de influenciadores de proxy, a China tem carregado nas costas as contas oficiais e redes de mídia estatal dos governos da Rússia, Venezuela e Irã, a fim de emplacar a mensagem antiocidental que está amplamente alinhada com os interesses geopolíticos da China, enquanto remove uma camada de responsabilidade e adiciona um verniz de legitimidade. Nos últimos seis meses, por exemplo, os diplomatas chineses retuitaram Nicolás Maduro mais de que qualquer outra conta não chinesa. (Isto se deve em parte à conta de Twitter altamente ativa do embaixador da China na Venezuela.) Durante o mesmo período, a TeleSur da Venezuela e a RT da Rússia estavam entre os 10 canais de mídia mais retuitados pelos diplomatas chineses e não pertencentes a Pequim, e a Actualidad RT (canal em língua espanhola do RT) e a Sputnik International estavam entre os 20 mais. Isto permite a Pequim criar uma cadeia de apoio a seus interesses ou, mais comumente, de oposição a Washington.Os diplomatas de Pequim frequentemente amplificam o mesmo grupo de ideias discrepantes de canais de mídia alternativa, jornalistas, pseudo acadêmicos, ativistas e teóricos conspiracionistas que têm há muito atuado na propaganda antiamericana criada em Moscou e em outras capitais adversárias. Esses “influenciadores” são definidos mais por suas oposições reacionárias à política estrangeira anglo-americana que por sua lealdade a Pequim, apesar de eles servirem como vetores úteis para impulsionar tudo, desde o Negacionismo Xinjiang aos pontos de apoio amigáveis ao Partido Comunista Chinês (PCC) em Hong Kong e Taiwan. Como exemplo bem pitoresco, um cineasta americano, rotineiramente amplificado pelas mídias estatais iranianas e russas, produziu um vídeo para um canal digital patrocinado pelo governo russo onde ele rotulou os manifestantes de Hong Kong como “fanáticos” e parte de uma operação de mudança de regime governamental dos EUA. O vídeo foi retuitado por, no mínimo, meia dúzia de diplomatas chineses.Enquanto os diplomatas de Pequim promovem principalmente conteúdo das próprios mídias e websites de apoio ao governo chinês, eles usam outras mídias estatais e influenciadores ocidentais como validadores externos ou “independentes”. A ordem dos diplomatas de Pequim é de impulsionar conteúdo da RT que direta ou indiretamente promove os interesses da China em assuntos como tecnologia, o Mar da China Meridional, reações ao coronavírus e manifestações em Hong Kong. Às vezes, eles simplesmente retuitam a cobertura da RT em declarações feitas por outros diplomatas chineses; ou então, eles buscam ativamente a atenção da RT ao marcá-los em posts. O objetivo deles parece ir além de mera validação externa, mas, sim, o de conquistar uma fatia da audiência considerável da RT (e outra mídia estatal).Fabricando a aparência de apoio popularEm casos em que os diplomatas parecem incapazes de reunir apoio orgânico para suas mensagens, Pequim aparece para confiar em falsas ou, no mínimo, pessoas altamente suspeitas para criar uma ilusão de apoio popular. Os diplomatas chineses engajam-se rotineiramente com contas que possuem inúmeras características de inautenticidade: títulos cujas convenções de identificação sugerem que foram gerados por computador, fotos de perfil encontradas em qualquer lugar na web ou desassociadas à identidade expressa na conta e datas de criação de conta que incluem intervalos de tempo curtos ou específicos. Nos últimos seis meses, 566 contas retuitadas pelos diplomatas de Pequim foram suspensas pelo Twitter, incluindo nove das 100 contas mais frequentemente retuitadas, e uma (@Girl90107796) dentro das top 10. Uns poucos diplomatas engajaram fakes óbvios, passíveis de risada, incluindo, por exemplo, um aparentemente adaptado blog de comida (@FtLaudyEATS) de Fort Lauderdale, Flórida, que agora impulsiona exclusivamente publicidade pró-China e pró-Venezuela. Cinco diplomatas ― embaixador da China na Venezuela e cônsules-gerais em Karachi (Paquistão), Durban e Cidade do Cabo (ambas na África do Sul) ― são responsáveis por mais de 400 retuítes de contas que foram suspensas pouco tempo depois.Esse comportamento sugere que ou é uma absurda falta de alfabetização digital ou é um esforço mais coordenado para forjar consenso. Em ambos os casos, retrata uma espionagem mais negligente que a dos diplomatas russos ou iranianos, os quais raramente engajam contas suspeitas. Por exemplo, das 131 contas suspensas retuitadas por diplomatas russos no último ano, nenhuma estava dentre as 200 contas russas mais retuitadas.Criando oposição com teorias conspiratóriasComo parte de sua nova estratégia, Pequim engajou-se na promoção de múltiplas teorias conspiratórias relacionadas à origem do vírus para lançar dúvida sobre as versões oficiais dos eventos. Como exemplo particularmente descarado, um ex-porta-voz do Ministério do Exterior, Zhao Lijian, foi ao Twitter promover a falsa teoria de que o vírus pode ter sido criado em um laboratório de armas biológicas em Fort Detrick, Maryland (EUA), citando um post desde então deletado num site identificado pelo Departamento de Estado (ministério das Relações Exteriores) dos EUA como um site com proxy conectado ao Kremlin (Rússia). As contas chinesas diplomáticas e de mídia estatal desde então postaram mais de cem vezes sobre a conspiração do Fort Detrick e o próprio Zhao voltou ao assunto no mínimo em três outros ocasiões.A disposição da China para transitar em claras teorias da conspiração representa certo desvio de sua história recente. Até pouco tempo, a China tendeu a ser mais avessa a riscos na sua abordagem à manipulação de informação, optando por suprimir conteúdo que é o ponto de crítico de Pequim, em vez de abafar com conteúdo que é conspiracionista, falso e enfraquece a noção de uma verdade objetiva.Pequim tem utilizado suas contas diplomáticas e mídias apoiadas pelo Estado para ajudar a impulsionar essas teorias. Mais de uma dúzia de diplomatas chineses e embaixadas retuitaram o tuíte conspiratório original do Zhao Lijian e as embaixadas chinesas desde a Jordânia até na França tuitaram suas próprias narrativas de conspiração sobre Fort Detrick no que parece ter sido uma operação coordenada. A mídia estatal chinesa amplificou esses esforços através de seus websites e contas no Twitter em língua inglesa. O China Daily, por exemplo, retuitou um de seus escritores de opinião comparando um suposto acobertamento da “verdadeira” origem do coronavírus no Fort Detrick àqueles feitos quanto aos acidentes nucleares em Chernobyl (Ucrânia) e Fukushima (Japão). Isso sugere que a China, assim como a Rússia, está fazendo uso coordenado de múltiplas ferramentas para maximizar o impacto de seus esforços.Usando conteúdo “positivo’ para encobrir as críticasEnquanto os esforços da China em atenuar o criticismo à sanção severa feita em Hong Kong basearam-se amplamente em contra-ataques e acusações de hipocrisia, sua reação à condenação internacional sobre a repressão aos uigures em Xinjiang é frequentemente evasiva. Uma grande quantidade de conteúdo, relacionado a Xinjiang, promovido pelos diplomatas de Pequim tem retratado imagens publicitárias de uigures “felizes”, supostas histórias bem-sucedidas de “reeducação”, ou vídeos de viagem astutamente produzidos. Os diplomatas de Pequim também impulsionaram uma nova conta de mídia estatal em língua inglesa, Discover Xinjiang (@DXinjiang), e sua cópia em mandarim, Xinjiang Channel (@Xinjiangchannel), as quais pintam a vida lá como um mar de rosas. E impulsionaram campanhas com hashtags positivas em torno de Xinjiang. Entre as 10 hashtags mais usadas nos tuítes diplomáticos sobre Xinjiang estão #AmazingXinjiang, #AmazingChina e simplesmente #Amazing.Trolando os Estados Unidos sobre raçaDurante o verão, na medida que os protestos sobre raça e política estouraram nos Estados Unidos, os diplomatas chineses e a mídia estatal se juntaram aos seus sósias iranianos e russos para enquadrar as reações rígidas do governo americano como hipócritas. Os diplomatas de Pequim ― tipicamente avessos a pegar pesado em questões de direitos políticos ou sociais em outros países ― usaram as hashtags #BlackLivesMatter, #GeorgeFloyd e #IcantBreathe mais de 250 vezes após a morte de George Floyd. Nas semanas e meses seguintes a sua morte, as contas oficiais chinesas repetidamente acusavam os Estados Unidos de usar um “duplo padrão,” especificamente em relação ao suporte dado aos manifestantes em Hong Kong.Esta foi talvez a primeira vez que Pequim passou uma mensagem de forma assertiva numa questão que não era diretamente ligada aos interesses geopolíticos da China. E, ao fazer isso, Pequim parece que pegou emprestado com a Rússia o uso do “whataboutism” (estratégia de falsa equivalência moral) para desviar as críticas acerca de seus próprios atos. Em um tuíte amplamente compartilhado, a porta-voz do Ministério do Exterior da China respondeu um tuíte do Departamento de Estado (Ministério das Relações Exteriores) do EUA que criticava as ações da China em Hong Kong com o “I can’t breathe” (não consigo respirar) ― uma referência às últimas palavras de George Floyd. Se é ou não um ato isolado quanto à relutância anterior em atacar os assuntos domésticos de outros países, não sabemos ainda.As abordagens autocratas: China vs. RússiaExistem diversas semelhanças entre os métodos de manipulação da informação chinesa e abordagem russa: uso de canais oficiais para promover teorias conspiratórias; intensificação de sites periféricos; lançamento de dúvidas sobre contas oficiais em eventos politizados, em parte para criar a impressão de que não há uma verdade concreta; destaque dos pontos fracos da política ocidental e disseminação do “whataboutism” para despistar as críticas em cima das suas próprias ações; enfraquecimento da coesão europeia e transatlântica; e posicionar-se como vítima da propaganda e xenofobia ocidental.Porém, em muitos pontos importantes, a abordagem chinesa é diferente. A estratégia de informação da Rússia é descredibilizar o ocidente em vez de atraí-lo para lá, geralmente semeando caos e divisão. Ao contrário, Pequim está mais preocupado que Moscou em polir sua imagem global, como evidenciado pela promoção de campanhas de publicidade conservadoras e positivas em torno de Xinjiang. E onde a Rússia apoia-se fortemente em um vasto ecossistema de mídia estatal e uma network de agitadores simpáticos para inundar a zona de informação com conteúdo polarizado, a China é tipicamente dependente de seus diplomatas para executar os elementos mais agressivos de sua campanha, ao menos quando abertamente confrontam os Estados Unidos e Europa. A China tem sido tradicionalmente mais sensível às criticas e atribuição de suas operações, mas resta saber se a resistência à publicidade feita por seus diplomatas irá frear o comportamento. Por enquanto, a China mantém seus esforços em fechar o espaço informativo interno às críticas, seja cooptando a mídia independente, dominando os canais de distribuição digital, ou através do uso de plataformas nacionais de mídia social.O caminho a seguirCom seis meses de pandemia, parece que a postura mais agressiva da China no cenário da informação constitui mais que um breve desvio de sua abordagem anterior mais sútil. Esta nova abordagem é inspirada em diversos elementos da estratégia russa de manipulação da informação ― mas também contém muitas características únicas. Da forma que Pequim implementa esta nova estratégia, mais adiante veremos implicações na disputa que está moldando nosso ambiente informativo e provavelmente será uma característica determinante de geopolítica nas próximas décadas.Artigo originalmente publicado em 28 de outubro de 2020.― Jessica Brandt é chefe de pesquisa e política na Alliance for Securing Democracy at the German Marshall Fund.― Bret Schafer é membro do setor de mídia e desinformação digital na Alliance for Securing Democracy at the German Marshall Fund.Tradução e revisão: Sarah Almeida.Com informações do Brasil Sem Medo.Participe do nosso canal no Telegram e receba todas as notícias em primeira mão. CLIQUE AQUI
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