Vice-presidente criticou decisões que, na opinião dele, têm usurpado as prerrogativas do Executivo
Vice-presidente, Hamilton Mourão Em um artigo publicado nesta quinta-feira (14), no jornal O Estado de São Paulo, intitulado de “Limites e responsabilidades”, o vice-presidente Hamilton Mourão falou sobre seu posicionamento diante da atual situação pela qual passa o país.
No texto, Mourão cita pontos como a polarização vivida na sociedade brasileira, a falta de conhecimento político por agentes públicos e a usurpação de prerrogativas do Poder Executivo, especialmente por parte do Judiciário.
Logo no início, o vice-presidente diz que o Brasil tem causado um mal maior a si mesmo do que qualquer outro país do mundo no combate à Covid-19. Mourão diz que o país está sendo levado ao caos por conta “da insensatez”.
– Um estrago institucional que já vinha ocorrendo, mas agora atingiu as raias da insensatez, está levando o país ao caos – escreve.
Em seguida, ele começa a descrever quatro pontos que estariam levado o país a esse estado de “caos” citado por ele. O primeiro é a polarização, segundo ele, exercida tanto pelo povo quanto pela imprensa, aos últimos, Mourão diz que falta o espaço para opiniões distintas.
– A imprensa, a grande instituição da opinião, precisa rever seus procedimentos nesta calamidade que vivemos. Opiniões distintas, contrárias e favoráveis ao governo, tanto sobre o isolamento como a retomada da economia, enfim, sobre o enfrentamento da crise, devem ter o mesmo espaço nos principais veículos de comunicação – declara.
O segundo tópico levantado pelo vice é o que ele chama de “degradação do conhecimento político”. No texto, Mourão afirma que governadores, magistrados e legisladores esqueceram que o Brasil não é uma confederação (quando os estados têm a própria soberania), mas uma federação (quando a soberania é do Estado Federal).
– Esse sistema (federação) permite somar esforços e concentrar os talentos de forma a solucionar os problemas de forma mais eficaz – afirma.
Após isso, Mourão fala a respeito de um tópico que tem causado bastante repercussão, especialmente nas últimas semanas, a usurpação das prerrogativas do Executivo por parte do Legislativo e Judiciário. Na opinião dele, a separação de poderes não tem sido respeitada no país com decisões de presidentes de outros Poderes ultrapassando a autoridade do Executivo.
– Uma regra [separação de poderes] estilhaçada no Brasil de hoje pela profusão de decisões de presidentes de outros poderes, de juízes de todas as instâncias e de procuradores, que, sem deterem mandatos de autoridade executiva, intentam exercê-la.
O vice-presidente encerra o texto falando sobre posicionamentos de personalidades que têm prejudicado a imagem do Brasil no exterior. Na opinião dele, o motivo para essas falas é o descontentamento com o governo democraticamente eleito em 2018.
– Por se sentirem desprestigiados ou simplesmente inconformados com o governo democraticamente eleito em outubro de 2018, usam seu prestígio para fazer apressadas ilações e apontar o País “como ameaça a si mesmo e aos demais na destruição da Amazônia e no agravamento do aquecimento global”, uma acusação leviana – completa.
Confira o artigo na íntegra abaixo:
Limites e responsabilidadesA esta altura está claro que a pandemia de covid-19 não é só uma questão de saúde: por seu alcance, sempre foi social; pelos seus efeitos, já se tornou econômica; e por suas consequências pode vir a ser de segurança. A crise que ela causou nunca foi, nem poderia ser, questão afeta exclusivamente a um ministério, a um Poder, a um nível de administração ou a uma classe profissional. É política na medida em que afeta toda a sociedade e esta, enquanto politicamente organizada, só pode enfrentá-la pela ação do Estado.Para esse mal nenhum país do mundo tem solução imediata, cada qual procura enfrentá-lo de acordo com a sua realidade. Mas nenhum vem causando tanto mal a si mesmo como o Brasil. Um estrago institucional que já vinha ocorrendo, mas agora atingiu as raias da insensatez, está levando o País ao caos e pode ser resumido em quatro pontos.O primeiro é a polarização que tomou conta de nossa sociedade, outra praga destes dias que tem muitos lados, pois se radicaliza por tudo, a começar pela opinião, que no Brasil corre o risco de ser judicializada, sempre pelo mesmo viés. Tornamo-nos assim incapazes do essencial para enfrentar qualquer problema: sentar à mesa, conversar e debater. A imprensa, a grande instituição da opinião, precisa rever seus procedimentos nesta calamidade que vivemos. Opiniões distintas, contrárias e favoráveis ao governo, tanto sobre o isolamento como a retomada da economia, enfim, sobre o enfrentamento da crise, devem ter o mesmo espaço nos principais veículos de comunicação. Sem isso teremos descrédito e reação, deteriorando-se o ambiente de convivência e tolerância que deve vigorar numa democracia.O segundo ponto é a degradação do conhecimento político por quem deveria usá-lo de maneira responsável, governadores, magistrados e legisladores que esquecem que o Brasil não é uma confederação, mas uma federação, a forma de organização política criada pelos EUA em que o governo central não é um agente dos Estados que a constituem, é parte de um sistema federal que se estende por toda a União.Em O Federalista – a famosa coletânea de artigos que ajudou a convencer quase todos os delegados da convenção federal a assinarem a Constituição norte-americana em 17 de setembro de 1787 –, John Jay, um de seus autores, mostrou como a “administração, os conselhos políticos e as decisões judiciais do governo nacional serão mais sensatos, sistemáticos e judiciosos do que os Estados isoladamente”, simplesmente por que esse sistema permite somar esforços e concentrar os talentos de forma a solucionar os problemas de forma mais eficaz.O terceiro ponto é a usurpação das prerrogativas do Poder Executivo. A esse respeito, no mesmo Federalista outro de seus autores, James Madison, estabeleceu “como fundamentos básicos que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário devem ser separados e distintos, de tal modo que ninguém possa exercer os poderes de mais de um deles ao mesmo tempo”, uma regra estilhaçada no Brasil de hoje pela profusão de decisões de presidentes de outros Poderes, de juízes de todas as instâncias e de procuradores, que, sem deterem mandatos de autoridade executiva, intentam exercê-la.Na obra brasileira que pode ser considerada equivalente ao Federalista, Amaro Cavalcanti (Regime Federativo e a República Brasileira, 1899), que foi ministro de Interior e ministro do Supremo Tribunal Federal, afirmou, apenas dez anos depois da Proclamação da República, que “muitos Estados da Federação, ou não compreenderam bem o seu papel neste regime político, ou, então, têm procedido sem bastante boa fé”, algo que vem custando caro ao País.O quarto ponto é o prejuízo à imagem do Brasil no exterior decorrente das manifestações de personalidades que, tendo exercido funções de relevância em administrações anteriores, por se sentirem desprestigiados ou simplesmente inconformados com o governo democraticamente eleito em outubro de 2018, usam seu prestígio para fazer apressadas ilações e apontar o País “como ameaça a si mesmo e aos demais na destruição da Amazônia e no agravamento do aquecimento global”, uma acusação leviana que, neste momento crítico, prejudica ainda mais o esforço do governo para enfrentar o desafio que se coloca ao Brasil naquela imensa região, que desconhecem e pela qual jamais fizeram algo de palpável.Esses pontos resumem uma situação grave, mas não insuperável, desde que haja um mínimo de sensibilidade das mais altas autoridades do País.Pela maneira desordenada como foram decretadas as medidas de isolamento social, a economia do País está paralisada, a ameaça de desorganização do sistema produtivo é real e as maiores quedas nas exportações brasileiras de janeiro a abril deste ano foram as da indústria de transformação, automobilística e aeronáutica, as que mais geram riqueza. Sem falar na catástrofe do desemprego que está no horizonte.Enquanto os países mais importantes do mundo se organizam para enfrentar a pandemia em todas as frentes, de saúde a produção e consumo, aqui, no Brasil, continuamos entregues a estatísticas seletivas, discórdia, corrupção e oportunismo.Há tempo para reverter o desastre. Basta que se respeitem os limites e as responsabilidades das autoridades legalmente constituídas.